A sangue frio- Truman Capote

O que dizer sobre este romance?

Vemos nestas páginas a mesma impotência fria que nos sucede ter perante o tempo que passa, escorregam-nos das mãos as justificações mais óbvias sem nada termos para as substituir. Não percebemos porque são assim as coisas.

Fica um romance brilhante, sim, Capote escreveu um romance, podem chamar-lhe não-ficção, mas é um romance. Aliás, este romance comprova mais uma vez que existe uma verdade em ficção, uma verdade diferente da verdade dos factos, mas não deixa de ser uma verdade impressionante. E Capote dá-nos essa verdade com mestria, de uma forma fria e estudada, sem, aparentemente, se imiscuir. E não deve ter sido fácil arrancar tantos pormenores das personagens que enfileirou no romance uma a uma, com se abrisse as portas de um teatro para entrarem em cena no momento certo.

O livro é uma torneira que vai enchendo lentamente uma banheira de factos. Cada naco de prosa abre-nos uma comporta e ficamos a conhecer um pouco mais do interior de cada um dos intervenientes nos homicídios e das suas vidas pessoais e familiares, assim como das dos polícias que os perseguem – sobretudo Dewey.

Não responde às questões essenciais porque estas não têm resposta – o monstruoso sucumbe-nos e o monstruoso gratuito muito mais.

Nada podendo dizer Capote mostra tudo o que é possível mostrar com uma voraz câmara fotográfica fazendo aparecer e desaparecer as suas personagens sempre vivas.

Diz ao leitor és tu que tens de dizer porque é que estes dois se transformaram em monstruosos assassinos, mas nós não conseguimos perceber porque o fizeram, está lá tudo e no entanto algo nos escapa. Podemos olhar o contexto familiar, ou o contexto social ou as oportunidades perdidas, mas nada disso nos explica semelhante indiferença pelo outro, a não ser que sejamos todos assim e apenas aconteceu que a alguns de nós a integração no meio conduziu para outras paragens. Ou será que o simples facto de acharem que já não têm nada a perder os fez agirem assim?, ou será uma bofetada no mundo que sempre os tratou mal?, ou algo que algures no seu desenvolvimento emocional se embotou?

O tom que Capote escolheu para escrever este romance foi um tom quase neutro, pouco emotivo, cerebral, sem propriamente querer justificar fosse o que fosse. Deixa-nos a fazer o nosso juízo perante o que é o que é. E nós nunca o fazemos.

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