Henri Frédéric Amiel – Diário Íntimo


Nasceu em 1821 e morreu em 1881. Era descendente de huguenotes franceses que se haviam refugiado em Genebra, após o édito de Nantes ter sido revogado.
É conhecido pelo diário íntimo que escreveu durante cerca de quarenta anos, teve consciência do valor desta obra e pediu o apoio de amigos para que fosse editado, como veio a acontecer alguns anos depois da sua morte.
A primeira qualidade deste diário é a forma como trata de uma enorme diversidade de temas sem afectação, indo directamente ao assunto: livros, autores, países, política nacional e internacional, a natureza do homem, das mulheres, os amores, a carreira, a obra e claro, ele próprio e o seu dia a dia.
Amiel faz algo ao mesmo tempo fácil e impossível que é discorrer com inteligência, argúcia, intuição sobre todos esses assuntos: fácil porque quem tem limita-se a usar o que tem; impossível porque quem não tem nunca será capaz de o aprender.
Amiel discorre em milhares de páginas de auto-interpretação, em que se percebe a sua inteligência, a sua delicadeza, a sua timidez, pensamento, dor, capacidade de pensar sobre o dúctil, o subtil, falta de vontade e o gosto e o preço da solidão. Vê-se como ao mesmo tempo lhe agrada e desagrada ficar nesse limbo do quase viver, do quase crescer, do quase ser, aconchegado, a pensar tudo e nada. Este quase ser é afinal, se calhar, o seu mundo espiritual, o mundo onde se sente mais à vontade e onde é capaz de se expressar de forma mais plena e contundente. Talvez haja realmente homens que nasçam póstumos.
A sua confissão, como todas as confissões, exige uma sinceridade total em que ele nitidamente se compraz e que dificilmente outro tipo de literatura possibilitaria. Até nisso Amiel acertou. Não são raros os grandes escritores que só acertam no desmedido depois de terem errado quase tudo.
Não deixa de ser interessante, e até de louvar, o tom delicado das suas intervenções. Uma alma amável. De realçar o seu tom de constante submissão do homem ao divino, de acordo com uma justiça da providência que acontece exactamente porque Deus é justo, e também a sua imagem de uma mulher que vai buscar ao tempo uma idealização que, goste-se ou não, não corresponde à realidade da natureza feminina, embora seja possível se tenha de facto constrangido a mulher a adequar-se, melhor ou pior em algum momento, a esse espartilho que se inventou ser a sua natureza.
Os seus textos têm graça, inteligência irreverência, dor, tristeza, subtileza, acutilância e uma extrema capacidade de objectivar o subjectivo. Lê-se com facilidade falsa. Mas pode ler-se rapidamente para se ficar com uma visão do conjunto, esta obra merece ser olhada e absorvida como uma pintura, de longe, desde que tudo começa, saboreando a subtil tristeza de quem se vê destinado a grandes obras, mas se apercebe ficará irremediavelmente aquém e procura compreender que tipo de dons e de fraquezas fazem isso acontecer; até às páginas da decadência e do fim, a morte, o legado.
Depois da visão de conjunto deve reler-se para calmamente apreender mais detalhadamente, mais profundamente aquilo que antes havia ficado no ouvido, até tornar nossos conhecidos alguns pensamentos. Vale a pena conhecer mais de perto o espírito que nos legou estas páginas, ganha-se um amigo a que se pode voltar sempre, como se se voltasse a uma velha árvore, ou até a nós próprios porque é um pouco de nós todos que ele escreve.

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