O poema não parou

O poema não parou

o mundo fez-se instante de dor 

o poema não parou

uma mulher ganhou a sorte grande

o poema não parou

o homem chorou

o filho morto

o poema não parou

aquele jovem perdeu

os sonhos

o poema não parou

um homem resgatou

o mar à morte

o poema não parou

os sonhos apodreceram

num homem

o poema não parou

vozes assaltaram

uma casa de penhores

o poema não parou

alguém se impôs

sem medo à morte

o poema não parou

uma alegria inundou

de luz um corpo 

o poema não parou

um homem perdeu o eu

o poema não parou

uma mulher se vendeu

o poema não parou

uma mulher caminhou

para lá do que a fazia forte

o poema não parou

aquela mulher

morreu na estrada

o poema não parou

uns dentes pensaram

o impensável

o poema não parou

um doente escarrou

saúde 

o poema não parou

um sol clonou o calor

o poema não parou

uma bomba de neutrões

dançou twist

o poema não parou

uma miúda emudeceu

de tristeza

o poema não parou

um pesadelo cumpriu

pena de prisão

o poema não parou

alguém sucedeu

a si próprio na morte

o poema não parou

alguém viu sonhos

voarem na noite

o poema não parou

um homem empreendeu

a construção de si

o poema não parou

ou terá parado

e ninguém deu por isso?

Final do conto – O livro

Final do conto – O livro

E o rapaz viu-se prontamente agarrado pelos guardas e enclausurado nas masmorras do palácio acusado de mentir ao rei.

O rei mandou imediatamente os seus arautos proclamarem em todos os sítios centrais da cidade que o forasteiro recém chegado, vindo ao reino com o intuito de usurpar o poder havia sido preso. A partir daquele dia as patrulhas de soldados armados até aos dentes que patrulhavam a cidade e as zonas fronteiriças foram reforçadas como se um ataque ao reino estivesse eminente.

Zangado com o que tinha acontecido o rei decidiu ler o livro todo e publicitar o que lera para que os habitantes do reino não se deixassem enganar por charlatães, queria que mesmo os analfabetos (que eram todos), conhecessem exactamente o que dizia o tal livro, e assim, nos muros se escreveu o que o rei não sabia o que fosse, uma vez que era incapaz de identificar uma letra do tamanho de um camião, nem queria saber, porque ler em nada contribuira nunca para a sua felicidade, felicidade essa que toda a vida fora muita e variada, mas oriunda de outro tipo de fontes que não propriamente os livros.

O tempo passou, as fronteiras do reino continuaram tão incólumes como antes, e os habitantes do reino foram esquecendo o forasteiro que continuava preso nos calabouços reais. Sem nada que fazer o rapaz pediu ao rei o obséquio de lhe emprestar os seus próprios livros, agora confiscados, para ler e assim passar o tempo. A primeira reacção do rei que estava decidido a obrigar o rapaz a viver a sua vida na cadeia até morrer foi negar-lhe essa pretensão, mas depois zombeteiro entendeu que podia aproveitar a situação a seu favor, depois de muito pensar, respondeu, sim senhor o faria, porém, com uma condição: o rapaz leria os livros em voz alta e todos os habitantes do reino podiam assistir à leitura.

O rapaz sentiu-se profundamente humilhado com a resposta, mas passados alguns dias, nasceu nele uma certa exaltação, como quem decide beber o copo de fel até ao fundo, lembrou Dostoievky que, num contexto terrível, amarrado à secretária  por um contrato humilhante, e sem dinheiro, que o obrigava a escrever sem parar e tinha cláusulas punitivas que o afundariam no maior dos abismos se não entregasse os manuscritos dentro de prazos apertadíssimos, escreveu algumas das obras maiores de sempre da literatura; assim, com o mesmo sentimento de orgulho, aceitou ler nas condições humilhantes propostas pelo rei.

O rei veio assistir à leitura do rapaz, o que provocou uma verdadeira avalanche de visitantes que ficaram horas de pé a ouvir o rapaz ler.

Todos sabiam de fonte segura que o rapaz não sabia ler, por isso, ainda não tinha começado a ler e eles já sorriam, mas assim que começou a ler começaram a rir todos ao mesmo tempo, e a tudo o que dizia achavam graça porque sabiam perfeitamente era tudo inventado. Aliás, bastava-lhes olhar uma vez o rapaz, o corte de cabelo, a maneira de andar, de vestir, de sorrir, o cenho franzido, e era mais do que suficiente para o saberem analfabeto, não teria sido necessário sequer o rei ter-lhes dito, eles sozinhos chegariam logo lá, as pessoas neste reino eram tão inteligentes que o conhecimento era nelas automático, saia-lhes de dentro, é impossível dizer tudo o que sabiam logo tanto era, estava-lhes dentro das almas, não precisavam fazer nada, vomitavam saber, era tanto saber que até ultrapassava o conhecimento.

A partir daquele dia, imensa gente fazia fila para ouvir o rapaz ler e rir à gargalhada dos disparates que dizia. Depois, um dos mais inteligentes empreendedores do reino, apercebendo-se do sucesso das leituras, vendo que tinha ali nas mãos uma mina de ouro, solicitou ao rei, mediante um determinado montante claro, fazer uma gestão privada desse bem público. A partir desse dia na cela do rapaz foi colocado um banco ao meio, bem como uma luz a iluminar o livro, microfones foram integrados estrategicamente de maneira a que as palavras do rapaz se ouvissem claramente no exterior e foram colocadas cadeiras confortáveis para o público assistir à leitura. O empresário cobrava três centeiros por entrada e a afluência nunca mais parou mais de crescer. Cartazes publicitários em toda a cidade diziam: venha rir que rir faz bem à alma, ao coração e ao cérebro. À noite, depois da ceia, à tarde, depois do almoço, ao fim de semana após a sesta, venha rir, venha ver o analfabeto que tem a mania que é mais do que nós, o analfabeto que diz saber ler, venha ver o mentiroso compulsivo, venha congratular-se por viver num reino tão justo que os mentirosos estão presos, venha rir-se deste indivíduo connosco. Venha ver como é justo o nosso sistema judicial. Podemos ter ladrões livres, mas alguém que se ache mais do que nós não está livre de certeza, venha rir de quem quer rir-se de nós.

O rapaz passou os restantes anos da sua vida a ler.

Primeiro só lhe davam romances de aventuras para ler. Mais tarde, com o pretexto de que pretendia conhecer melhor a natureza humana, solicitou livros de desenvolvimento humano, psicologia social, psicologia da linguagem, sociologia da família, da educação, filosofia moral. Inicialmente o rei considerou esses livros indignos de serem lidos a pessoas de bem e não deixou o rapaz lesse livros tão obscenos. Mas um dos vizires, homem supremamente inteligente, lembrou que o rapaz não sabia ler pelo que esses livros não podiam ser nem boa nem má influência para ninguém, uma vez que o rapaz inventava o que lia e, também, ninguém acreditaria no que lesse, todos sabiam que tudo quanto dissesse seria falso e risível.

Acabou o rei por assentir, e foi mesmo um dos primeiros a assistir às primeiras pseudo-leituras do rapaz sobre esses assuntos científicos e foi até dos que mais riu. O rapaz lia a as características dos vários estádios de desenvolvimento humano, dizia coisas completamente absurdas sobre as características de cada um desses estádios, por exemplo, sobre a adolescência, sobre a entrada na escola, sobre a entrada no mercado de trabalho, chegava a dizer que os jovens tinham ideias pouco reais sobre o que iam encontrar nos seus primeiros empregos porque nunca haviam efectivamente trabalhado, dizia que os mais velhos se questionam sobre o valor da sua vida. Falava em nomes como Erikson, Bandura, Vigotsky, que todos sabiam perfeitamente serem inventados. Sempre que o ouviam ler o nome de algum autor atiravam-se ao chão sem conseguirem parar de rir. Não conseguiam mesmo parar, Vigotsky, repetiam eles, as lágrimas a caírem pelo rosto abaixo de tanto riso. Era tão engraçado. Quando o rapaz dizia que a violência sobre as crianças afecta o seu desenvolvimento intelectual e emocional, eles riam-se, e para gozarem espancavam os filhos que traziam com eles para assistir às leituras, e mostrarem assim o que pensavam do que ele dizia, como se fossem bêbedos a quem um médico afirmasse que o álcool fazia mal e eles para mostrarem ao médico o que pensavam da sua falsa ciência se pusessem a beber um garrafão à sua frente, como se fosse ao médico que estivessem a insultar e como se o médico fosse obrigado a defender a medicina e como se a medicina precisasse da defesa do medico.

Os espectadores que vinham vê-lo ler riam como perdidos do que ouviam. Que grande mentiroso diziam olhando uns para os outros. São só patranhas, garantiam.

Tanto se riam e tão estranho e falso achavam quanto ele dizia que um dia o rapaz lhes disse: Passais os dias a insultar-me porque achais que invento o que leio, e achais mais verdadeiro o conhecimento que tendes, então, porque não abris vós um livro?, porque não ledes qualquer coisa?, assim, já poderíeis confrontar o vosso conhecimento verdadeiro com o meu conhecimento falso. Em tantos anos que levo a ler, e que vós levais a ouvir-me, sempre com a certeza absoluta da vossa parte de que, só por existirdes, tendes um conhecimento muito mais certo que o meu, nem por um momento vos passou pela cabeça lerdes vós algo sobre isto que digo?, estudar um pouco estas matérias?, se quereis realmente rir, porque não confirmais?

Nesse dia, quando o rapaz falou assim, vários ouvintes tiveram que ser hospitalizados com falta de ar por tanto rir. Olha eles precisarem de aprender qualquer coisa, eles que sabiam tudo, era o máximo aquele rapaz.

Na noite em que cortou os pulsos com papel Bíblia, o rapaz deixou escrito a sangue nas paredes da sua cela: neste reino ninguém é mais inteligente que o burro.

Continuação do conto- O livro

Continuação do conto- O livro

Qualquer indivíduo que visitasse o reino, independentemente de idade, género, profissão. O potencial criminoso, como o rei não cessava de sublinhar aos seus súbditos em longos discursos anuais de mais de seis horas, estava a chegar, a sua vinda era eminente. Disto o rei não tinha dúvidas, era preciso saber apenas quando chegaria aquele que pretendia usurpar-lhe o poder áquele desterro.

Todos os dias o rei questionava em vão os seus olheiros que tinham como missão zelar pelas fronteiras do seu vasto território, mas ninguém se aproximava daqueles territórios.

Por isso, soou tão estranho que um dia o olheiro do lado norte informasse aflito o rei de que um jovem se aproximava da fronteira, o olheiro deu a notícia aproximadamente um mês antes do forasteiro surgir na cidade, tal a vastidão do território.

Em todo o reino houve uma grande comoção. A novidade circulou, os habitantes ficaram ansiosos, sem saberem muito bem como agir porque, nem mesmo os mais velhos entre os velhos, haviam vivido semelhante fenómeno em suas vidas, é que não se tratava de um dos velhos mercadores já conhecidos, era um forasteiro que ninguém conhecia. Todas as manhãs se juntava uma enorme fila de habitantes a mirar o forasteiro através dos potentes binóculos. Um a um puderam ver-lhe o rosto, mas ninguém o reconheceu. Todos tinham curiosidade em saber o que o forasteiro vinha fazer ali naquele fim de mundo onde ninguém há mais de sessenta anos, muito antes do rei ter sido coroado, se aventurava.

Entretanto, os dias foram passando e, num belo dia, rebentou por todo o reino a notícia de que o forasteiro havia chegado.

Era um dia ameno e alegre esse em que o jovem vendedor de livros chegou à capital do reino, o sol brilhava na seu azimute e o forasteiro, que trazia um burro carregado de livros, levava com frequência um pano à testa para limpar o suor.

Assim que chegou, procurou o mercado, na praça central, para aí expor e vender a bom preço os livros que trazia. Colocou-os bem à vista pendurados nos barbantes. Viu com agrado como toda a gente no mercado parava para folhear e ler atentamente os livros. O rapaz estava encantado por deparar num lugarejo tão longínquo com gente tão dedicada às letras. A multidão, por sua vez, parecia maravilhada com um livro muito colorido, maior que todos os outros a que o rapaz dera maior visibilidade por ser o mais belo e mais caro de todos os livros que trazia e que à luz ganhava diferentes tonalidades de cor. Mas a manhã passou e apesar do interesse manifestado, ninguém comprou ao rapaz um único livro sequer. Estranhou o rapaz tal comportamento. Não atinava qual fosse o defeito. Porque pareceriam tão entusiasmados se não queriam comprar nada?

Sem saber o que pensar disse para com os seus botões que, ou o mal era dos livros que não atraíam os visitantes, ou dos visitantes que eram demasiado forretas para comprar um livro que fosse. Para atrair o público e promover as vendas tirou do cordel o livro grande que tanto atraía o público, e durante uma hora dedicou-se à sua leitura. Por cima do olho pode ver como em pouco menos de dez minutos a enorme plateia de público cresceu circundando-o, e a gente que tinha vindo para o ouvir ler ocupava já todo o mercado que tinha deixado de vender naquela manhã porque todos os que ali estavam se haviam sentado à sua volta a ouvi-lo ler. Entre aquela afluência de gente no mercado estavam os vizires do rei que procuraram inteirar-se do que se passava. Logo que foram informados de que o recém chegado lia o livro mais belo que alguma vez haviam visto em suas vidas logo correram a informar o rei.

O rei viu naquela informação o pretexto perfeito para trazer o rapaz até si e inteirar-se dos seus verdadeiros intuitos.

Assim, mandou chamar o rapaz ao seu castelo sob o pretexto de que pretendia comprar-lhe o belo e misterioso livro das mil cores.

O rapaz, apesar da sua juventude já tinha visto muito mundo, muitos e diferentes reinos e não se engasgou quando os guardas lhe disseram ao que vinham. Limitou-se a embrulhar os livros e seguir como o burro atrás dos guardas, altaneiro e descontraído.

Uma vez no palácio o rei, como era de bom tom, fê-lo esperar muito tempo. Recebeu-o, por fim, ao final da tarde, sentado no seu trono de diamantes, e ordenou lhe mostrasse o livro reluzente.

Hum, disse, olhando a capa onde se via um elefante.

Gosto muito de livros sobre animais da selva.

O rapaz explicou: este livro narra a viagem de um elefante do reino de Portugal ao reino de Áustria. Chama-se viagem do elefante e aconteceu no século XV.

O rei agastado por ter sido corrigido perguntou-lhe duro, mas tu achas que não sei ler?

Não disse tal, real senhor, respondeu o jovem afivelando ao rosto um ar de candura.

O rei mandou um dos seus vizires abrirem o livro numa página à sorte e pediu ao rapaz que lesse. O rapaz olhou para o livro e para o rei entre espantado e receoso e leu: a pele do elefante-asiático, e este é um deles, é grossa, de cor meio cinza meio café, salpicada de pintas e pelos, uma permanente deceção para o próprio (…)

O rei não o deixou continuar, mandando-o calar imediatamente.

O rei tirou o livro ao rapaz e leu: os espíritos das doninhas atravessam o sol rumo às cataratas de Niagara.

O rei bateu com o pé no chão e mandou os seus dois vizires fossem buscar o seu bastão porque fazia questão de bater com o bastão no chão. O que fez, após o que pediu aos dois vizires, homens muito considerados no reino pela enorme inteligência e habilidade empresarial, para lerem o mesmo trecho que ele havia lido.

Os dois vizires, que eram analfabetos, como todos naquele reino, repetiram religiosamente as palavras do rei, como já haviam antecipadamente combinado com este.

Ficou o rapaz muito aflito. Não sabendo que mais dizer e temendo estar em maus lençóis, disse: bem, é possível haja diferentes interpretações do mesmo texto, é possível ambos tenhamos razão.

Saltou logo o rei irado, mas sorridente e forte como um leão.

Seu mentiroso, vê-se logo o que és. Nem és capaz de manter as tuas mentiras, ah!

Alguma vez alguém no mundo se soubesse ler e lesse o que está no livro dispensaria a verdade para concordar, mesmo que fosse com um rei? Nunca.

Mentiroso. Prendam-no. Vai para as masmorras para aprender a não mentir a um rei. Onde já se viu?

Quem mente nisto em que mais não mentirá?, este homem é um perigo para o nosso reino.

Continuação do conto – O livro

Continuação do conto – O livro

Nos primeiros dez anos, o rei era jovem e optimista e os regulamentos que imaginava para os forasteiros eram singularmente benévolos. Com a idade, à medida que os seus desmandos e abusos aumentavam, o rei ia ficando cada vez mais receoso e ao mesmo tempo mais seriamente convencido que um único forasteiro seria perfeitamente capaz de o destronar. Não estava, evidentemente, preocupado consigo, mas com os efeitos que semelhante tragédia provocaria no seu povo e na sua pátria. Assim, optou por carregar os velhos regulamentos com penas progressivamente mais duras para os forasteiros que invadissem o reino, penas que passaram pela prisão perpétua, mas foram caminhando rapidamente para a morte por fuzilamento, por enforcamento, por injecção letal. Parou aí o rei porque sinceramente não se lembrou o que mais pudesse fazer para punir esses hipotéticos forasteiros, até porque depois da morte pouca coisa havia, lembrou-se mais tarde de outras possibilidade e dedicou-se a antecipar o fim, glosando novas e dolorosas formas de tortura.

Início do conto – O livro

Início do conto – O livro

Era uma vez um reino longínquo, escondido atrás de umas altas montanhas, escondidas atrás de umas montanhas ainda mais altas – um sítio onde nem Judas perdeu as botas porque nem Judas conhecia tal destino. E, se conhecesse, por certo, teria perdido as botas antes de lá chegar.

Qualquer raro viajante que, saberá Deus a razão, viajava para aquele reino, era visto muito antes de lá chegar. Antes mesmo do viajante por um pé no circunscrito domínio do reino já os olheiros haviam dado a notícia. Os viajantes eram velhos mercadores sem eira nem beira que amavam mais o caminho de pedras e escarpas que o negócio. Era inevitável, acercar-se um desses mercadores a rever aquele reino desolado de longe a longe.

Tirando estes raros mercadores, nenhum forasteiro procurara aquelas paragens nos últimos sessenta anos.

Mesmo assim, o rei daquele reino longínquo vivia preocupado com um possível ataque em larga escala perpetrado por desconhecidos.

É verdade que, desde que fora coroado rei, há 24 anos atrás, nunca acontecera surgir um visitante nas imediações do reino, mas ninguém podia ter a certeza tal não viesse a suceder. A possibilidade de acontecer um ataque criminoso perpetrado por forasteiros indesejáveis era uma realidade eminente que o rei levava muito a sério e não o deixava dormir descansado, por isso os seus soldados palmilhavam permanentemente as fronteiras do reino e outros soldados asseguravam com binóculos de longo alcance que ninguém se aproximava sorrateiro daquele reino.

A preocupação do rei, com os anos, foi crescendo, até se tornar uma obsessão, ao ponto do rei lhe dedicar todo o tempo livre e conceber constantemente novas regras para punir esses hipotéticos estrangeiros que viriam roubar-lhe o poder.

Fim do conto O dorso da vida

Fim do conto  O dorso da vida

História de um amor

A rapariga encontrou o rapaz a jogar à bola. A rapariga passava muito tempo a ver o rapaz jogar, mas nunca ganhou coragem para falar com ele. O rapaz era o mais franzino e o mais feio. Ela sabia ele havia de ser para ela. A rapariga naquele tempo era bonita e o rapaz nunca acreditaria ela pudesse amá-lo e por isso reparou na beleza dela só de raspão, sem nem por sombras desconfiar poderia ser por ele que ela vinha ver o jogo.

Entretanto, a rapariga mudou de emprego, esqueceu a escola e o campo de jogos nunca mais ficou a caminho do seu trabalho. Quando voltou a passar pelo campo, já o rapaz vinha na sua mota Zundap dos bairros pobres, sujos e degradados inventar palavras que o inventavam enquanto trabalhava nas obras.

A rapariga vinha do mal de dentro, do mal sem pobreza, da gente que se esmaga por ódio a si mesmo e por incapacidade de se dar, encontrando alívio no mal que faz aos outros, mesmo quando os outros são os seus.

O rapaz encontrou a rapariga já ela trabalhava na pastelaria. O rapaz viu que ela era feita para o amor dele porque já não mantinha traços da juvenil beleza, e o corpo era uma espécie de chaga em carne viva, cheia de papos. Ela viu da padaria onde trabalhava a servir o pão que ele ia lá demasiadas vezes e a olhava de certa maneira, franzino e feio como devia ser o amor dela.

O rapaz sentiu-se condoído com a dor que intuía nos olhos grandes e aguados da rapariga.

A rapariga recebia todos os dias antes de se deitar uma carta do universo no bico de uma gaivota e à noite voava com as gaivotas rente ao mar e deitava-se com as andorinhas.

O rapaz foi ficando cada vez mais tempo na cafetaria, sorrindo, fazendo conversa de circunstância até ganhar coragem para a convidar a dar uma volta na sua Zundap.

Ele agora ajuda-a a colar beleza no corpo e a calar as mil bocas. Não têm segredos um para o outro. São uma só e a mesma pessoa.

Mudaram-se para o complexo do alemão e lá viveram felizes durante  um ano, até um dia vir um tornado e foder aquilo tudo.

Continuação do conto – O dorso da vida

Continuação do conto – O dorso da vida

E no bar o rapaz atira uma palavra a ver em que corpo entra, depois outra, e outra, e mais outra. Se aqueles a quem ajuda soubessem como lhe custa despedir-se das palavras. Mas não sabem, como saberiam?, e de que serviria se o soubessem?, apercebe-se de que aquele homem ficou mais forte, mais orgulhoso, há uma vivacidade nos olhos antes baços, as palavras curam-lhe chagas, atira uma outra palavra que vai penetrar no corpo da jovem calada a ouvir os amigos na mesa, as próximas palavras serão suas.

Não olha directamente ninguém, veste com palavras, cria vida, dá actos a interpretações adivinhadas, palavra criadora de seres. Haveria mais gente assim?, porque não?, que acontecerá à humanidade se deixa de escrever na vida?, como poderá evoluir?, sustentar-se?, ser?, talvez existam outros como ele a tapar buracos com histórias

O rapaz sonha com a insurreição das palavras, palavras a criar mundos em todos os mundos, milhares de palavras a arderem no íntimo da respiração da humanidade, palavras na areia do quotidiano, junto à noite, a escreverem na água a giz, a escreverem no corpo do sol, na montanha do sonho, a escrever palavras flor nas entranhas da água, palavras países, continentes, escrevem por dentro de palavras que nos escrevem.

Palavras que curvam metais, vergam o corpo, ribombam em grito, mas para quê?, olha a água. Deixar-se cair acabaria pelo menos com a angústia que eternamente lhe dança no estômago. Pergunta-se quem é para curar. É algum Deus?

Há muito deixou de responder a perguntas retóricas. Vira, com a sua Zundap velha a fazer um barulho do caraças, para o velho quarto que alugou na zona mais miserável da cidade.

No dia seguinte lá estará a engolir cimento para as palavras solidifiquem, ganhem asas dentro de si e voem para lá do que é concebível.

Continuação do conto -O dorso da vida

Continuação do conto -O dorso da vida

O rapaz a ser constantemente mil personagens

Enquanto as mãos do rapaz pegam em pesados baldes de massa a cabeça desbrava palavras e dispara-as em todas as direcções, algumas retornam e inundam o corpo do rapaz, a palavra produz a forma como o cérebro a olha, introduz-se, atravessa-o, bóia por instantes suavemente no líquido do cérebro, faz seu próprio caminho destinada a ser texto escrito na cabeça, texto vivo, gera-se e modifica-se perpetuamente, palavras mergulham frescas, como quem salta de trampolim para a água a escrever completamente tudo com a paciência de um beneditino, a desfolhar a flor na palavra, a traduzir as palavras de dentro das coisas, do íntimo da pedra, de chuva -, inundam a calçada-, palavras do amor dos outros, palavras pessoas que passam, desfolha, palavras cola, personagens. Veste-se de palavras roubadas ao corpo, à minúcia dos olhos, à voracidade das mãos e ao ego anafado, palavras sujas, feias, palavras mãos.

De um certo modo gasto de vestir perde tempo a olhar palavras com personagens. Vê que se as olhar através de um determinado ângulo pode interpretá-las, regozija-se. Não é capaz de parar. Inventa interpretações umas a seguir às outras, sempre, sempre, sempre. Tem a doença das interpretações obscuras, obscenas para os actos daqueles que veste, sempre com a mesma lógica, veste-os de cinzento, de azul, dá-lhes vida, inventa-lhes razões, desejos, frustrações, rancores. Palavras começam a falar por dentro de palavras que começam a deixar-se sair loucas, directamente do âmago do ser feito dança. Palavras loucas de sua verdade, palavras que sabem a partir de sua verdade de todo o tipo de pessoas, doentes, nascidas para morrer: foi para isto que nasci?, palavras loucas de pessoas com verdades mentirosas de tudo, esta é a minha bandeira, como quem diz, a minha verdade, só tenho esta verdade, as palavras loucas permanecem curvadas sob o peso dessa verdade, cansa-as a verdade, é muito dura, custa muito tê-la, transportá-la, viver com a verdade dentro de si, verdade pesada, dura, seca, incomoda, mas as palavras vivem a vida toda só com a verdade, não têm outra forma de vida, se fossem obrigadas a viver com outra verdade dura sucumbiam, seria demasiado para elas, acabariam aí mortas como um cão, por excesso de esforço, vivem olhos nos olhos com a verdade de todos os ângulos, verdade com consequências, esta verdade diz de todas as realidades a que está ligada. Também há a palavra que não transmite a verdade, só a carrega, não se sabe do mundo que a palavra diria, é preciso a palavra sofra para que outros sejam felizes, outros que hão-de ignorar a verdade da palavra, não podem saber.

O rapaz, louco, carrega a verdade para que os outros sejam felizes na mentira. Alguns são apanhados pelo âmago da palavra medo que entra às catadupas por eles adentro e tapa-lhes a passagem do sangue. O sangue começa a andar às arrecuas e inunda-lhes o corpo todo de medo.

O corpo da palavra tem medo de caminhar, de olhar, de ver, amar, aí a palavra é um corpo de medo, a palavra louca passa o tempo escondida debaixo do céu e das estrelas, e das árvores de copa alta, na profissão, na amizade, e em algumas obsessões. Esconde-se de todos. O sonho é viver só, possui um íntimo sentido para o medo, descobre todos os tipos de medo, cheira o medo. Esconde-se na familiaridade do mundo, tudo é a sua família, as coisas, as pessoas, as situações, a palavra nunca viu um estranho.

Pode alguém ser um estranho para a palavra?, a palavra sabe o que cada um é por dentro, os olhos das palavras têm fogo que vê, ninguém pode dizer-se estranho. Gostava de um dia encontrar quem ela não soubesse quem é, não conhecesse, mas não existe tal ser, a palavra conhece as pessoas todas do mundo, sabe dizer o desconhecido e onde se o poderá encontrar, as palavras dão a volta aos tornados, afastam-se e não olham ninguém directamente nos olhos, as palavras roubam almas, pedaço a pedaço, ferem o peito de quem encontram, pela cicatriz do peito desaparecem, não se sabe onde viverá a alma imortal da palavra, quando morre fica só o corpo da palavra, em que cemitério se deposita o corpo da palavra?

Palavras que criam continuamente personagens novas.

O rapaz fugia dos bairros pobres pela cabeça, aventurava-se a ler às escondidas em bibliotecas. Não tem medo porque nunca do bairro dele vai ali alguém. Não tem família. Também não tem ilusões, e agora não havia dia nenhum não visitasse os livros que amava. Nunca trazia livros para casa, não pretendia mais do que tinha, nunca deixaria de ser um vadio, e provavelmente se não encontrasse a tempo o amor o seu destino num futuro próximo seria ainda pior, mas era um vadio que amava ler e sonhar, não sabia escrever e por isso não escrevia, passeava pelas ruas a inventar coisas, vivia na cabeça, espaço minúsculo para o tanto que inventava, a sorte era todos os dias deitar ao lixo grande parte do que inventava porque não seria capaz de armazenar tanta coisa na cabeça, não era infinita a sua capacidade de armazenar informação.

O rapaz acaba o trabalho. A cabeça volta ao lugar. O rapaz voa na velha Zundap a sorver palavras de todos com quantos se cruza, cabelo ao vento, a inventar histórias, fica horas a congeminar histórias enquanto voa na mota, adora esses momentos em que torna espessas as palavras, depois vem atrás e repete cadenciado, uma a uma, a burilá-las até as palavras inventem a noite, quando já são capazes de viver corta-as com a tesoura do cérebro e repete para si até dourar, a palavra brilha na noite, coloca-a no pré-tálamo, ali atrás, na covinha e deixa-a ficar. Volta às palavras em bruto e burila-as novamente, doura uma a uma até o mundo se encha de um silêncio leve e firme de cristal. Assim que sente o silêncio o rapaz vem, pé ante pé, inventar as ruas todas, os cafés, os bares, histórias suficientemente sólidas para cruzar com pessoas. Não tem medo as palavras se diluam, fujam, ou se modifiquem, as histórias já estão suficientemente distantes do mundo para serem apesar do mundo, apesar dos outros, com os outros. As histórias dele eram um mundo que não existia antes, dera às palavras uma nova forma de serem história, coisa, faca.

Continuação do conto – O dorso da vida

Continuação do conto – O dorso da vida

As mil bocas voltam a falar ininterruptamente as palavras todas, a soltar cá para fora as palavras todas, a beleza interior dela puxa-a para o universo inteiro e ela voa com as gaivotas. E enquanto voa as bocas não param de falar tudo o que haviam ouvido o mundo ser. O corpo encosta-se à respiração das montanhas e as bocas falam do mundo, da tristeza, do amor, da terra, dos crimes. As mil bocas da rapariga vão de encontro ao miolo do universo e falam de si, da sua dor, do seu amor, do sentimento de perda da mãe que a abandonara por um caixeiro-viajante que a levara com ele para o fim do mundo.

Aí estava a rapariga outra vez montada na beleza, sustentada na beleza que transporta a fealdade. Sentia de novo a violenta e tormentosa realidade da beleza a funcionar dentro dela, dentro de corpo dela, da cabeça dela, da alma dela, umas vezes em simultâneo, outras vezes de forma descoordenada. A sua cabeça tem um motor enlouquecido a constantemente esmagar, rasgar, moer, decepar, desconjuntar, segmentar, desmembrar palavras que logo a seguir une, cola, refaz, reorganiza, sempre a trabalhar, sempre a tirar a água às palavras, a respirar prodigiosamente, a colar-se à respiração do mundo, a tirar palavras de tudo quanto é sítio ininterruptamente. As primeiras palavras cristalizam, ficam no fundo do canal a revesti-lo de palavras verdes, a revestir o canal de suficientes palavras mortas. Depois do canal se constituir solidamente as palavras fluem naturalmente ininterruptas, intranquilas, vorazes, devoradoras, e a rapariga atira as palavras ainda quentes para o papel das estradas, dos edifícios, dos olhos das pessoas, fresquinhas.

As palavras viajam nos bicos das gaivotas, rasgam as rochas das praias na noite, fazem de si pássaros, encurvam o bico e devoram-se. A rapariga reconhece a loucura da beleza na fealdade.

Continuação do conto – O dorso da vida

Continuação do conto – O dorso da vida

Sem a beleza interior mantém a ingenuidade de olhar o mundo nos olhos a ser-se, existir-se, dizer-se, acreditar-se. A ser no mundo de forma diferente desse mundo, diz-lhe: estou a ser em ti. Não pode acabar bem esta ausência da beleza que prende, esta liberdade de pisar docemente o rosto das coisas, a rapariga sabe que sem beleza caminha para a morte, para o não ser, fala do outro nome de Deus, de possibilidades e de multidão com a ingenuidade que só a grandeza dá, e vê outra vez a possibilidade da construção das coisas, vê surgirem cidades inteiras do nada, jorrar a água da criação pela montanha do pensamento abaixo, ininterrupto, canta por todas as partes do corpo, leva abraçadas ao pescoço as crianças sagradas do futuro, parte-se e reparte-se sem medo, é o milagre vivo do pão e do vinho, a rapariga tem a vida a jorrar das mãos da terra no néctar que cria, dá-se tumultuosamente na sabedoria de criança. Depois, falha em toda a linha, mete a possibilidade da criação das coisas dentro, vive palavras que jorram cimento no circuito inteiro que vai da alma até aos pés a seguir caminhos.

Anda no redemoinho das coisas, na possibilidade do ser, caminha e entra dentro dos outros, dos corpos dos outros, dos olhos dos outros, dentro de casas, carros, edifícios, entra sem beleza nenhuma interior. Toda a criação de palavras desaparece e tem de ser ela a pensar dentro para que algo pense. Já não tem dentro dela o mecanismo de regurgitar continuamente vocabulário, já não assegura o funcionamento das mil bocas que lá dentro continuam a falar, falam para dentro mas ninguém as ouve, nem a rapariga as ouve, apercebe-se apenas do que parece ser um leve mastigar, são as bocas a murmurar em simultâneo, os papos deixam de ser visíveis, nos órgãos há fendas abertas por onde as bocas murmuram sem ninguém ouvir, é no entanto necessário alimentá-las, agora não buscam o seu alimento, não são auto-suficientes, sem beleza interior não pode buscar palavras na humidade da terra, torcer o pano das montanhas e deixar as palavras caírem-lhe no goto. Isso só a beleza interior faz. Só a beleza interior, e essa beleza está em silêncio, a rapariga busca palavras para carregar as mil bocas do corpo dela, alimenta as bocas inventando o que não ouve, mas não consegue produzir mentiras suficientes para as bocas repetirem, não tem mentiras para todas as bocas, vai colando o ouvido à respiração do mundo, mas chega uma altura em que a situação se torna insustentável, as mil bocas comem-lhe o corpo, o rosto, a cabeça, as mãos, os cotovelos, tem medo, deixa de ouvir, fica com menos palavras nas mãos, se insistir morrerá asfixiada pelas bocas peçonhentas a comerem-lhe o corpo encarquilhado, não tem palavras para se defender. A beleza interior torna-se imprescindível, é urgente colar de novo a fealdade exterior no corpo.

E a rapariga vai depressa para o banco de jardim desfazer-se do corpo, ser só alma para que o corpo raivosamente lhe busque a beleza interior no armário onde a deixou ficar, a alma fica a falar com Deus. Deus é primo da alma por parte do pai. Em crianças haviam sido muito próximos porque as mães de ambos (da alma e de Deus) haviam fugido com dois caixeiros-viajantes, por sinal primos, e os pais de ambos tinham por hábito afogarem as mágoas em álcool, Juntavam-se ao fim de semana para se embebedarem que já mais nada havia pudessem fazer, e essa era ainda a maneira de melhor passarem o tempo e esquecerem o sofrimento. Nunca resultava muito bem porque as mágoas sabem nadar.

Ficava durante muito tempo a discorrer com Deus para cá e para lá. Não que Ele falasse muito. Nunca vira aquela criatura abrir a boca para discordar ou concordar com alguma coisa. O seu mutismo era total. Devia julgar que como era Deus não tinha obrigação de ser delicado. A rapariga das mil bocas nunca lhe dizia nada porque Deus era o seu único amigo e não queria deitar tudo a perder. Afinal, ele vinha sempre que ela o chamava. Ela não percebia a razão porque vinha, afinal depois nem se dignava abrir a boca, limitava-se a estar ali a ouvi-la muito circunspecto o tempo todo. A rapariga das mil bocas voltava depois ao banco de jardim, embora soubesse perfeitamente já não ia encontrar Deus. Deus nunca voltava segunda vez. Era escusado pensar nisso. E mesmo vir da primeira era por especial favor, e também porque ela estava a morrer e ele sabia. Em algumas vezes a rapariga chegou até a recear Deus se fosse embora por vê-la falar tanto. Mas Ele nunca fez isso, ouvia sempre a sua diatribe, embora nunca falasse nada e se mostrasse taciturno; dava tempo a chegasse o corpo abocanhando a beleza dela.

Falar com Deus dava outro ânimo à rapariga cujo corpo conseguia chegar à beleza interior e vestir-se. Não estivesse Deus para ali a ouvi-la a rapariga nunca seria capaz de viver sem beleza tanto tempo. A rapariga colava a beleza interior antes dos órgãos, dos rins, fígado, estômago com fita adesiva, muito lentamente de modo a não arranhar, para que as mil bocas se estendessem e começassem a falar, e logo mil palavras lhe saíam do corpo como chuva inundando tudo, fita adesiva nas mãos a colar órgãos, palavras inundam-lhe o corpo todo, inundam-lhe o sangue, nascem-lhe palavras novas na alma, as palavras como lagos vão inundando-lhe o interior até estarem prontas para moer, é preciso cuidadosamente coser as palavras à alma com uma agulha do tamanho de uma estrela. Erguer a palavra esmigalhada e fazê-la atravessar uma agulha e outra e outra por dentro da alma. E essas palavras voam rapidamente. A beleza cria o canal. Ninhos de palavras concretizam a rapariga no dia a dia. A rapariga volta a colar o corpo à alma e a beleza interior cria canal por onde as palavras voam directamente à fealdade exterior do seu interior.