
Este livro descreve o conjunto de normas perfeitamente irreais, absurdas e ilógicas que fizeram parte da vida quotidiana dos presos em Auschwitz, no Lager. Estas regras e todos os procedimentos que os prisioneiros realizam com o objectivo de sobreviver são verdadeiramente animalescas. E, no entanto, todos procedem como se tudo aquilo fosse normal.
O livro é tanto mais desolador e acabrunhante quanto é contido, não há nenhuma lamentação excessiva, apenas descrição e reflexão sobre o trabalho abjecto, as condições onde dormem, comem, e o que aquilo os torna, enfim, o que é o homem?
A descrição asfixiante da estupidez em forma de vida de todos os dias.
Como foi que nos transformamos nisto, e porquê?
Livro seco, directo, escrito olhos nos olhos. Sem ódio.
Só isso.
E não é pouco.
Após lermos um livro com este impacto emocional, é comum repetirmos que é preciso contar para não voltar a acontecer.
Não creio que contar por si só chegue para alguma coisa. O importante era verificarmos até que ponto não existe algo semelhante, num grau muito menor, claro, mas com a mesma lógica, em algumas realidades quotidianas. Isto é, regras arbitrárias, relações sem empatia, desprezo e/ou indiferença pelo outro. Mais, a possibilidade que damos aos outros de ditarem regras completamente absurdas e arbitrárias. Estas lógicas de dominação do outro podem criar uma aceitação do inaceitável que um dia pode calhar-nos mal.
Não chega contar. Não chega ouvir. É preciso exigir um quotidiano onde as sementes de dominação se vejam impedidas de germinar.
Este é um livro sucinto e, no entanto, diz o que desse mundo urge dizer.
Para ler e tomar em devida conta na sua passagem para um real quotidiano cada vez mais bovinamente racionalizado.