
Há livros que nos surgem como paisagens. Livros que nos surgem como cidades. Talvez haja cidades que são a nossa paisagem de dentro cá fora e livros que são pequenos espaços dessa cidade de nós que um dia encontraremos e nos retrata. Do mesmo modo existem filmes que são como pequenos espaços de uma paisagem que faz parte de uma cidade, Esses filmes passam-se lá, entre uma praça e uma livraria, entre uma rua antiga e uma catedral.
O desejo de ler este livro de Auden nasceu da visualização de um filme – 4 casamentos e um funeral- em que é lido um dos seus belíssimos poemas de amor – Blues fúnebres.
Este é um livro só sobre o amor, tudo o que diz que não é sobre o amor é sobre o amor também, e di-lo de uma forma tal que se vê como o amor também está lá. Mas não diz a verdade acerca do amor, diz das verdades acerca do amor.
E a introdução um tanto obscura com que comecei esta breve sinopse não foi casual, é que o amor de Auden convoca paisagens, cidades, filmes, e escreve de um modo que interliga tudo- e é na praça que a língua satisfaz o seu desejo.
Quem também está sempre presente é o tempo, inexorável, seja quando a felicidade o faz parar, seja quando os anos passam inexoráveis a correr como coelhos. A verdade do amor que Auden descobre para nós como se destapasse um véu, é algo de urgente que tem de acontecer já e que ocorre num tempo e espaço específicos rodeado de tragédia e a qualquer momento, fina folha que brilha, pássaro brilhante que extasia qual Alcanto, se esvai, nasce para morrer instantes depois. A maior verdade do amor para Auden parece ser a vivência do momento do amor com toda a paixão.
É como se existissem dois mundos, um mundo à espera do amor, morto, pobre e um mundo onde o amor de repente surge e faz brilhar esse mundo ainda há pouco morto. Por isso o amor tanto não está em lado nenhum, o mundo inteiro está sem o amor, como de repente o mundo brilha apaixonado de amor e então o mundo é aquele instante naquele espaço e a única obrigação é amar esse amor em toda a sua totalidade. Mais cedo que tarde esse amor desaparecerá e a tristeza, a angustia, o abandono e a morte choverão sobre o mundo daquele que amou. Mas esse não deve ser o pensamento do amante porque até o sofrimento é bem vindo quando se amou. Aliás, o que salva o sofrimento foi ter amado, embora também seja por tanto ter amado tanto que o sofrimento surge depois tão esmagadoramente hiperbólico como um prédio desabando em cima da coluna vertebral do viver, como em funeral blues.
Poesias levemente irónicas e tristes algumas, onde o autor agarra a vida através do vidro do amor sem descurar todas as provações que estão antes e depois desse mesmo amor. Belíssimo livro de imagens insólitas, quase surrealistas dotando os seus poemas breves de uma enorme frescura, versatilidade e sensibilidade. Um livro a ler e a reler.