Os contos de Cantuária – Chaucer


Um dos livros que, segundo dizem, contribuiu para a consolidação da catedral da Língua Inglesa, o que não é de somenos. Mas, para além disso, é uma obra extremamente dinâmica, fluida, capaz de se apropriar de determinados caracteres humanos na sua singularidade e mostrá-los. E essas personagens ficaram para sempre na história da literatura por elas mesmas, mas também porque têm sido reformuladas, pensadas e repensadas pela literatura, até por Shakespeare com Falstaff, mas não só.
O que mais apreciei neste livro – embora acredite ele tenha facetas ainda mais impressionantes -, foram as histórias e a forma formidavelmente livre como foram contadas. Se algumas são embelezadas, outras são uma espécie de entranhas em cima da mesa, alguém que se diz na literatura, e aí sem dúvida as histórias da mulher de Bath e do vendedor de indulgências são paradigmáticas disto que digo porque expõem de uma forma tão brutal como um terramoto as entranhas. Chaucer consegue este desiderato interessante que é levar a que as personagens se contem ao contarem as histórias mostrem não só a sua época, costumes, cultura, mas também que cada um se diga e se mostre na singularidade da sua classe social, da sua diferença.
E aqui está mais do que presente a forma como as mulheres eram vistas, a forma como as mulheres se viam a si próprias, o que se esperava do seu comportamento, e os juízos de valor contínuos sobre o seu comportamento. E sobretudo, provavelmente estarei errado, mas fico com a suspeita que esta obsessão pelo comportamento das mulheres representa, mais do que uma realidade, a insegurança e o medo dos homens. Medo e insegurança que os faz exigirem às mulheres – se puderem – uma submissão verdadeiramente abjecta. E isso é visível nestes contos em que dá ideia que estão presentes sempre dois tipos de mulheres lado a lado, a submissa a um ponto execrável e que por isso é considerada a virtude em pessoa e a libertina. Na verdade há uma terceira que, por pior que possa parecer, traz uma espécie de ar livre e complexidade à vida que é a mulher de Bath que, evidentemente, estando do lado das libertinas tem uma auto consciência, autonomia e independência que os outros dois tipos apresentados em momento nenhum alcançam, o que a torna diferente desses tipos. É como se pegasse nas formas com que o mundo a fez e não só as assumisse, mas exigisse viver autonomamente dessa maneira, como se fizesse da prisão onde a queriam meter a matéria da sua liberdade.
A história em si é simples, trata-se de peregrinos que vão em peregrinação desde Southwark, em Londres, à Catedral de Cantuária para visitar o túmulo de São Thomas Becket. É-lhes proposto por um estalajadeiro que cada um conte dois contos durante a viagem para lá e outros dois contos à vinda. Aquele que for considerado o contador da melhor história ganhará um jantar. Chaucer morreu sem conseguir completar todos os contos.
O grupo de peregrinos é constituído de forma a representar a sociedade da altura, ou pelo menos uma parte substancial, entre outros, cozinheiro, escudeiro, estudante, mercador, vendedor de indulgências, jurista, marinheiro, prioresa, monge, capelão, médico, vendedor de indulgências, mulher de Bath, frade mendicante, oficial de justiça, criado do cónego, provedor, etc.
Um livro para ler e reler.

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