
Logo de manhã, os bicicleteiros azuis saem de casa e vão-se transformando muito naturalmente enquanto caminham. O pescoço alonga para diante e ligeiramente para cima formando a barra e o guiador, as mãos recurvas transformam-se em punhos e fixam-se ao guiador, o rabo forma o selim enquanto o tronco se espalma tornando-se o quadro da bicicleta. As pernas reviram e transformam-se em rodas. Os pés viram para fora consubstanciando-se em pedais que se fazem circular com a energia do próprio bicicleteiro, manhã cedo, até ao local de trabalho. Existem sete raças de bicicletas com diferenças mínimas a nível de forma, a que correspondem também sete diferentes tons de cor azul. Escusado será dizer os bicicleteiros diferenciam facilmente mais de 100 tons de azul, sendo os mais comuns: azul meia-noite, azul real,azulaço,azul eléctrico, azul cobalto, azul centáurea e azul céu.
O país das bicicletas azuis tem uma longa e obsessiva história de preocupação com o azul, os seus cientistas, poetas, pintores, filósofos, estudiosos e simples amadores debruçam-se sobre os vários tons da cor azul desde tempos imemoriais. Os animais mais amados são a aranha-azul, a gralha-azul e a garrafa-azul cujos corpos apresentam tonalidades azuis, enquanto lagostas, caranguejos e polvos são venerados pelo sangue azul que transportam nas veias.
Num primeiro período autores houve que identificaram a cor azul com frieza, depressão, monotonia, mas, logo outros autores recusaram esta associação defendendo não se tratar de frieza, nem de monotonia, mas de paz, ordem, harmonia. Mais recentemente, foram mais longe e a cor azul foi identificada como sinónimo de criatividade e tranquilidade.
A adoração do país pelo azul é de tal ordem que praticamente todas as famílias bicicleteiras têm em casa uma reprodução do quadro a noite estrelada de um célebre pintor bicicleteiro que se matou.
Há ainda o grupo dos chamados bicicleteiros azuis, um grupo de pintores do século XIX que se especializou em pintar quadros de tonalidades azuis, em parte percursor dos grandes pintores da actualidade que pintam quadros azuis, ou têm pelo menos uma fase azul.
A comunicação das bicicletas azuis é muito variada e rica. As bicicletas comunicam em código buzinal, parente do código morse, que permite enderecem e recebam mensagens sem nunca parar de andar de bicicleta. Muito formais, os bicicleteiros usam, quando no exterior, esse código e não apreciam conversas muito longas, apenas breves mensagens. De manhã dirigem-se todos para o trabalho. Neste país não há desemprego. Uma vez no local de trabalho os bicicleteiros dirigem-se para a porta do edifício onde trabalham e imediatamente se transformam em seres humanos. Dentro dos edifícios comunicam uns com os outros através da dança. As suas salas largas e ovais permite conversarem à vontade, cada volta tem um significado, falam sem que um único som se ouça.
Juntam-se a beber, alguém salta para o meio da sala e fala sem parar através de passos de dança, depois outro e mais outro e assim sucessivamente. Muito gostam de falar os bicicleteiros azuis.
Ao fim da tarde, depois do trabalho, têm o hábito de pedalar até à montanha, para se encontrarem, conversarem e descontraírem em espaços próprios. No percurso da montanha foram construídas praças com receptáculos para copos onde os bicicleteiros convivem sem risco de se começarem subitamente a mover. Os punhos acedem aos copos colados aos muros artificialmente construídos e os bicicleteiros bebem entornando com os punhos o líquido para o local onde habitualmente as bicicletas têm as campainhas.