
Criação
O homem, muito antes ainda de tecer os ventos que o haviam de tornar célebre, já tinha procurado e encontrado o infinito por baixo da montanha Atlas, tendo ficado conhecido como o homem que encurralou o infinito, para onde, aliás, saltava constantemente, entrando e saindo nos sítios mais assombrosos e desconcertantes.
Na verdade, não fosse a descoberta do infinito, e provavelmente nunca existiriam ventos no mundo.
Mas o melhor é contar como tudo se passou.
No princípio do princípio dos tempos, poucas horas depois de ter criado os homens, num dia calminho, como eram todos os dias do mundo desse tempo sem ventos, Deus deslocou algumas centenas de homens e mulheres para habitarem o centro do mundo e disseminarem o género humano, deslocou-os de helicóptero até ao centro do mundo abandonando-os aí à sua sorte.
As mulheres começaram, ainda vinham no helicóptero, a murmurar contra os homens enquanto tricotavam, protagonizando um momento de perigo elevado quando uma delas acertou, acidentalmente, com uma agulha de tricôt no olho do piloto após um inesperado salto do helicóptero. O que lhes valeu foi o co-piloto tomar conta do helicóptero enquanto os homens davam apoio moral ao piloto que se esvaia em sangue.
Assim que o helicóptero os deixou, os homens começaram a jogar às cartas, à bola e a mandar os rapazes à venda buscar cerveja.
Como a tribo se começasse a reproduzir muito rapidamente, as mulheres exigiram que os homens começassem a trabalhar como forma de diminuir os elevados índices de reprodução. Os homens começaram a sair de manhã para trabalhar nos campos, dando lugar àquela que ficou conhecida como a primeira pré-revolução agrícola. A tribo deixou de ser vista como um conjunto de indolentes felizes que viviam sem trabalhar, aproveitando simplesmente o que a natureza lhes dava, para passarem a ser uma tribo muito pobre, que se esfalfava a trabalhar de sol a sol enquanto se tornava mais pobre a cada dia que passava.
Entretanto, as mulheres continuavam a fazer o almoço, a coscuvilhar umas com as outras e a tricotar furiosamente.
O homem que criou os ventos sentia desde tenra idade uma atracção pelo tricôt que via as mulheres incessante e activamente praticarem. Como explicaria mais tarde na sua autobiografia que os homens da tribo iriam fazer passar oralmente de geração em geração, o que o atraía no tricôt era ver as mulheres criarem continuamente todo o tipo de roupas a partir dos mais variados tecidos, num passe de mágica, esta criação contínua explicaria ele, estimulava a sua obsessão por criar, apaixonava-o ver o movimento ritmado das mulheres no tricotar uma camisola, um roupão axadrezado, um par de calças, uns casacos escoceses.
Tanto andou atrás das mulheres que elas lhe ensinaram o ofício e ele criou o seu símbolo, a sua marca distintiva, um cachecol vermelho que passaria a levar para todo o lado e que tanto jeito lhe deu, como vamos perceber no decorrer da nossa história.
Além da sua obsessão pela criação alimentada pelo tricôt, havia no homem um desassossego que tinha a ver com a permanente monotonia de postal ilustrado que grassava no mundo.
Seduzido pela ideia de vestir a atmosfera com algo mais do que aquela pasmaceira a que assistia diariamente pôs-se a pensar que fazer à atmosfera algo parecido com o que as mulheres faziam às malhas, cobrir o corpo do mundo com uma espécie de camisola. Foi pensando nisto que lhe surgiu uma dúvida, que aconteceria se ele dobasse por suas mãos a atmosfera?, se fizesse uma espécie de tricôt com a atmosfera e as suas mãos dançassem nuas como as das mulheres, no tempo?