
No princípio do mundo não havia ventos, nem brisas, nem furacões, nem tempestades. O tempo caia como um pesado reposteiro. ou uma casa caiada de branco inundando monótono os dias todos.
Resultou dos esforços de um só homem (eu sei é surpreendente) a criação de toda a rica tessitura de ventos e afins. O mais extraordinário é que esse homem não só criou os ventos, mas também a possibilidade de, a partir dos ventos já existentes, se fazerem novos ventos.
Comecemos pelo início. A preguiça foi a razão porque o ar não compareceu, no início dos tempos, ao chamamento de Deus. Deus havia identificado o segundo exacto em que o mundo ia começar e o ar não estava lá. Deliciara-se Deus a criar uma performance a todos os títulos memorável, que marcaria indelével a memória dos homens ao transformar o ar em vento e o ar deixa-se ficar a dormir no ninho de algodão onde dorme todo enrolado e não apareceu. Ele há coisas que não lembram a Belzebu.
Deus, intimamente furibundo, fez por se acalmar e esperou um pouco, razão por que o mundo nasceu com três segundos de atraso em relação ao plano previamente estabelecido, o que Deus nunca perdoou ao ar.
Passados três segundos, deu Deus início à construção do mundo da forma que os livros sagrados tão bem documentam.
Após ter concebido o mundo, Deus não telefonou, mas ficou a pensar numa forma de tratar de uma vez por todas do mandrião do ar que lhe havia trocado as voltas.
O ar, vendo que o todo-poderoso não vinha, nos dias seguintes ao seu espalhanço, às falas com ele e sabendo como Deus era rancoroso, começou a magicar no pior. Temendo pela existência, não viu outra coisa a fazer senão enfiar-se no infinito e esconder-se lá. Se depressa o pensou mais depressa o fez, enfiou-se no poço do infinito e percorrendo distâncias incríveis em poucos segundos escondeu-se num fundo tão fundo que nem Deus daria por ele.
Soprou de si algum ar, algemou-se a um e a outro lado das paredes do infinito e entrelaçou o meio de si a si próprio, fazendo-se um colchão bem no meio do nada, com a outra parte de ar que havia separado de si, concebeu uma espécie de alcofa e enrolou-se num novelo onde coube todo dentro, suspirou fundo, fechou os olhos e deixou-se repousar com um sorriso misterioso, entre o sorrir da Mona Lisa e o da criada ladina que viu Tales cair no poço enquanto distraído observava as estrelas, preso por um mosquetão às paredes do infinito.