
É um livro em que o autor fez de si matéria de estudo em tudo menos no que tivesse a ver consigo. Trata-se de ceifar na vegetação do ser e colher só o que é de todos com a aparente facilidade com que a lâmina afiada ceifa no campo.
E é extraordinário porque é arte a deter-se no mais difícil, porque mais movediço, que somos nós, mas é isso que Fernando Pessoa faz, atira a cana de pesca ao concreto movediço do seu ser até atingir, abstraindo, um pensamento de emoções passível de ser partilhado, pelo menos intelectualmente, por todos, e sentido por aqueles capazes de sentir por dentro das suas emoções o pensamento dos outros.
Este livro é, na maior parte do tempo, arte a fazer-se, explicação da arte que se fez outras vezes, paisagem externa que se materializa para melhor se fazer arte, ou que apenas finge o autor ser externa para se materializar ele, de outras vezes. Tudo contextualiza, e a todo o contexto se faz pertencer para arrancar dessa vulgaridade de ser e de viver a metafísica que há na vida e nos homens; do pouco faz a madeira que a todos serve de trave mestra.
Está sempre presente o olhar daquele que fez de toda a vida um olhar atento a si e que agora, na folha de papel, deixa-o à solta.